Por Diego Roberto Barbiero*
Na semana passada (entre 15 e 17 de junho de 2021) foi intenso o movimento na Câmara dos Deputados para assegurar a aprovação do substitutivo apresentado pelo Deputado Carlos Zarattini (PT-SP), Relator, ao PL 10887/2018, de autoria do Deputado Roberto de Lucena (PODE-SP).
Nos discursos pela aprovação, dois argumentos foram utilizados com frequência e veemência por muitos Deputados (para conferir a íntegra dos discursos, basta acessar o site da Câmara dos Deputados). 1) Que a Lei da Improbidade, com sua redação atual, datada de 1992, é demasiadamente aberta – permitindo ao órgão de persecução a utilização de subjetivismo para decidir se uma conduta pode ou não ser enquadrada como “crime de improbidade”; 2) Que a nova proposição, ao estabelecer a necessidade de demonstração de dolo específico (vontade livre e consciente de provocar danos ao erário), protege o “bom administrador”, que, temeroso pela atuação do Ministério Público, tem se afastado cada vez mais da política.
Ouso, democrática e rapidamente (e com a profundidade suficiente para um texto informativo, e não científico), de ambos os argumentos discordar. E o faço pelos seguintes motivos.
1) A Lei de Improbidade Administrativa traz sanções de natureza cível àqueles que comprovadamente (ou seja, após o devido reconhecimento da prática do ilícito cível pelo Poder Judiciário) praticarem uma das condutas estabelecidas como causadoras de enriquecimento ilícito, dano ao erário ou violação aos princípios administrativos. Trata-se de legislação cível, que enumera situações concretas como ilícitos cíveis e que traz consequências cíveis. A confusão com o Direito Penal (que impõe sanções que afetam diretamente o direito à liberdade, 2º bem jurídico em grau de relevância em um Estado de Direito, hierarquicamente inferior apenas ao direito à vida) é inoportuna, equivocada e, mais que isso, demonstra o despreparo dos representantes eleitos pelo povo para exercer um dos mais importantes objetivos de nossa República: a atividade legislativa.
2) Ao enaltecerem a nova “segurança jurídica” ao “bom administrador” e exigirem o dolo específico voltado à violação das normas que resultem em prejuízo aos cofres públicos, além de se utilizarem de um conceito vago (“bom administrador”, tal qual “cidadão de bem”) esqueceram-se (intencionalmente ou não) os Deputados de que a Lei de Improbidade Administrativa não se aplica apenas aos Prefeitos. Aplica-se a qualquer agente público ou qualquer cidadão que esteja exercendo, ainda que transitoriamente, uma função pública. Isso mesmo: aplica-se aos Prefeitos, aos servidores efetivos do Poder Executivo, do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, aos servidores comissionados de qualquer dos Poderes, aos Secretários Municipais e Secretários de Estado, aos Senadores da República e aos Deputados Federais e Estaduais, aos Vereadores, aos Juízes, aos Promotores de Justiça e Procuradores da República, aos Delegados de Polícia, aos Policiais Civis e Militares, aos diretores de hospitais que funcionem com subvenção pública como fonte majoritária de receita, aos administradores de empresas públicas e a outros tantos agentes que exerçam funções públicas. Com exceção dos Prefeitos e dos administradores de empresas públicas ou de entidades subvencionadas, quais dentre os outros agentes exemplificadamente listados são ordenadores de despesa – para que seus atos possam ter o objetivo de resultar em prejuízo ao erário?
Essas premissas lançadas para fundamentar a aprovação do texto, repito, são inconsistentes. Há necessidade de alteração legislativa? Bom...Se houver, que se exerça a atividade com a devido espírito republicano e honrando a representatividade popular; que as matérias sejam ao menos estudadas pelos representantes populares para que, quando fizerem o uso da voz para falar em nome dos cidadãos de seus Estados, não o façam de forma ignorante (no sentido de desconhecer o que se está a dizer), apaixonada e insubsistente.
É preciso que o Senado Federal, ao exercer seu papel legislativo, atente-se às falhas do Substitutivo apresentado para que o sentido da Lei de Improbidade não se perca por completo – caminho ao qual foi levado equivocadamente pela Câmara dos Deputados com base em argumentos – no mínimo – incompletos.
*Promotor de Justiça do MPSC com atuação especializada na área da moralidade administrativa. Ex-coordenador do GAECO de Chapecó. Membro auxiliar na Unidade Nacional de Capacitação do Ministério Público (UNCMP/CNMP), em Brasília-DF.
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