Antes que eu me apresente, peço aos caros leitoras e leitores que não se espantem com a grafia incorreta empregada no título deste artigo, pois pretende apenas expressar a triste situação em que foram colocadas as artes em geral e todo o trabalho intelectual desenvolvido hoje no Brasil em nome da Educação, da boa e ética informação, e até mesmo da Ciência.
Se todas estas áreas – que deveriam ser priorizadas, pois são fundamentais para o desenvolvimento de um país, para a formação de seus cidadãos e consequente aprimoramento das relações sociais, além de garantia da saúde física e mental de todos – foram relegadas aos últimos planos de interesse do governo, o que dizer da Cultura, da arte que é produzida não apenas para entreter, mas para “ilustrar” e trazer novas formas de conhecimento para crianças e adultos, através das relações que estabelece com outras áreas do conhecimento humano, como a filosofia, a história e mesmo com a física e a matemática, tão presentes nas artes plásticas e nas manifestações teatrais, cinematográficas e musicais?
Apenas para exemplificar, a pessoa interessada em aprender música precisará entender o valor “matemático” das notas, o tempo que vai durar o som de cada uma delas, e entender que a semifusa será igual a 1/64 da semibreve ou não saberá ler a partitura. Ao limitar o acesso de estudantes aos livros, aos teatros, ao cinema e aos museus, os atuais responsáveis pela educação trabalham para que se produza uma legião de ignorantes que, em determinado momento, será incapaz até mesmo de produzir massa para reboco, pois não saberá a proporção de água, areia e cimento necessária para a mistura. E, daí a fazê-los acreditar que pajelanças ou vermífugos eliminam os vírus que nos atacam os pulmões será apenas um passo, um passo macabro.
Limitar o acesso do cidadão ao bom jornalismo – seja exercendo censura ou disseminando falsas notícias, não é uma postura cidadã, muito menos republicana. Atacar as classes de intelectuais, professores, filósofos, artesãos, músicos e escultores que produziram arte e história desde os hieróglifos e as pinturas rupestres em nome de falsas ideologias, de mentiras, ou invocando inimigos inexistentes e “forças ocultas”, como as que nos colocaram no obscurantismo por várias décadas, é um retrocesso inadmissível a um país que poderia estar se colocando entre as nações mais respeitáveis do planeta, pelos talentos e potencial humano de que dispõe em todas as áreas.
O Ministério da Cultura foi extinto pelo atual governo. A antiga pasta foi vinculada, agora com status de secretaria, ao Ministério da Cidadania. Com isto, centenas de projetos culturais deixaram de ser avaliados e aprovados para que pudessem captar recursos através das Leis de Incentivo à Cultura. Isto faz com que projetos de profunda relevância para a educação de nossas crianças e jovens não saiam do papel por falta de recursos.
Tais leis são atacadas por uma parcela desinformada da população que acredita que o governo subsidia artistas, entregando-lhes dinheiro como se fosse um abençoador mecenas. Na verdade, o dinheiro obtido pelos editores de livros e discos, pelos realizadores de espetáculos teatrais, circenses ou produtores musicais e cinematográficos vem de patrocinadores – pessoas jurídicas com lucro real no exercício anterior – que destinam até 4% do imposto devido para fins culturais. Esta renúncia fiscal, combatida por quem ignora ou faz questão de ignorar os bons efeitos da lei, acaba por movimentar uma indústria cultural e de entretenimento que gera milhares de empregos não apenas para autores, atores, diretores e técnicos; mas também em gráficas, livrarias, locadoras de equipamentos ou automóveis, e nos sistemas de transporte urbano e interurbano. Ou seja, alimentam a cadeia produtiva e geram novos recolhimentos de impostos.
Porém, nesta caldeirada de idiossincrasias, incompetências e despreparo em que fomos atirados, nada mais nos surpreenderá, pois já tivemos como exemplo um ministro da Educação que, em agosto de 2019, enviou um documento ao ministro da Economia, onde escreveu que as verbas previstas para a Educação em 2020 seriam insuficientes e alertava para o risco de paralização. Meses depois, em 8 de janeiro de 2020, escreveu a um dos filhos do presidente da República um recado onde dizia: “Caro @BolsonaroSP, agradeço seu apoio. Mais imprecionante: Não havia a área de pesquisa em Segurança Pública...”
Ao justificar a nomeação deste ministro, em abril de 2019, o presidente da República o qualificou assim: “professor universitário e possui ampla experiência em gestão e o conhecimento necessário para a pasta”. Esta nobre e douta figura deixou o ministério em julho de 2020.
Assim, após este relato-desabafo, explico a razão de ter escrito “Expaço” no título desta coluna. Paço é sinônimo de Palácio. Paços das Artes são os palácios ou teatros e arenas onde os espetáculos são apresentados. Acontece que estes espaços estão sendo esvaziados por falta de apoio. Em função da pandemia, que prejudicou a atividade artística sobremaneira e impediu apresentações presenciais, muitos artistas passaram por extrema dificuldade e a população em geral se viu carente de alternativas culturais de entretenimento.
Além das situações traumáticas provocadas pela disseminação da doença, além de acompanharmos o sofrimento de centenas de milhares de famílias desfeitas e dilaceradas, fomos privados do mágico elixir que as artes nos proporcionam. Como atento observador da realidade, mas também na condição de poeta que me atribuem, penso que refletir sobre os acontecimentos e as pessoas sem alguma dose de fantasia tornaria a vida uma sucessão de desacontecimentos enfadonhos.
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