De acordo com a pediatria, o período chamado infância tem três fases e vai do nascimento até aproximadamente os 13 ou 14 anos, quando começa a adolescência, a transição para a fase adulta. Porém, não quero aqui falar da infância, mas sim de um período nela inserido que chamamos de “meninice”, que se inicia quando começamos a ter coordenação motora e autonomia para escolhermos nossas diversões e brincadeiras prediletas.
É a fase de brincar de roda e esconde-esconde, jogar bola, fazer guerra de travesseiros, subir em árvores (onde ainda se encontra alguma) e tomar banho de mangueira. Muita alegria e quase nenhuma preocupação com agendas ou coisas parecidas, pois sempre há quem nos chame para as refeições, para as aulas e para o necessário banho.
Porém, nada é eterno e “tudo que é bom dura pouco”. Então chega o momento em que “acabou-se o que era doce”; todavia antes de chegarmos ao mundo adulto, ainda passamos pela reveladora adolescência, quando nossos hormônios começam a fervilhar e as brincadeiras se modificam: trocamos as histórias em quadrinhos por literatura de enredo mais denso e passamos dos desenhos animados ao escurinho do cinema, onde vamos chupar drops de anis e conferir se, realmente, a Deborah Kerr que o Gregory Peck (obrigado, Rita Lee, por esta doce recordação juvenil!).
Quem dera fosse sempre como na canção dos Tribalistas: “E a gente canta /A gente dança / A gente não se cansa / De ser criança / A gente brinca / Na nossa velha infância”. Mas, não é bem assim.
Da mesma forma que o tempo passa para nos permitir dirigir automóveis e a assistir filmes censurados a menores de 18 anos, vêm as obrigações com vestibular, faculdade e voto (que também – e principalmente – é um direito).
Em seu livro Made in Japan, Akio Morita escreveu que a diferença entre a criança e o adulto são os preços de seus brinquedos. Assim, se um aeromodelo custa mais do que uma bolinha de gude, é hora de abandonarmos de vez (ou quase) os hábitos da meninice e colocarmos as mãos à obra, a fim de satisfazermos pelo menos alguns dos nossos desejos.
Começamos a nos distanciar do mundo infantil e lúdico, começamos a esquecer de como era bom andar de bicicleta sem destino certo, até a panturrilha reclamar. E, neste momento, precisamos ter cuidado para que não venhamos a perder a capacidade de sonhar, como quando éramos meninos e meninas e voltávamos os olhos para as nuvens vendo-as tomar formas de dragões, flores, carneirinhos, castelos ou navios.
Sim, a meninice tem prazo de validade. De aniversário em aniversário, vamos trocando de apetites. São menos brigadeiros e mais sanduíches; sai a Coca-Cola e entra o vinhozinho. O rumo das conversas passa do futebol para a política ou economia, e a meninice começa a se parecer com uma folha de papel que amarelou ao ser esquecida numa gaveta qualquer.
Mas, sem sombra de dúvida, o fim da meninice é definitiva e miseravelmente decretado quando percebemos que a rubra maçã-do-amor, aquela que tanto queríamos provar, tem uma casca que, apesar de doce, é osso duro de roer.
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