Em seu conto “Flor, telefone, moça”, Drummond começa assim a narrativa cheia de mistério: “Sou apenas um sujeito que escuta algumas vezes, que outras não escuta, e vai passando. Naquele dia escutei, certamente porque era a amiga quem falava. É doce ouvir os amigos, ainda quando não falem, porque amigo tem o dom de se fazer compreender até sem sinais. Até sem olhos”.
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O tema do conto do qual extraí esta citação não tem nada a ver com a proposta desta crônica, mas ela é relevante para destacar a importância da amizade genuína, onde impera a mais fina sintonia, ao ponto de prescindirmos das palavras, gestos e até mesmo de olhares para nos fazer compreender mutuamente. A amizade que fala pelo silêncio, que se consolida pelo respeito ao silêncio do outro, estabelecendo telepáticas conjunções e concordâncias.
Quando me falta inspiração, apelo a alguém por quem sinto afinidades intelectual e estética para que me sugira uma palavra capaz de indicar o ponto de partida para um texto. É doce ouvir os amigos... E desta vez, a doce voz amiga me sugeriu que eu falasse sobre rosas.
Porém, são as palavras aparentemente simples que se mostram as mais complexas quando nos dispomos a dissecá-las. Palavra cujo significado e significante se confundem, a exemplo de “rosa”, é palavra difícil, pois uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa, como bem disse Gertrude Stein, que complementou, no verso seguinte: Encanto extremo.
Assim, ao ser desafiado a escrever sobre o assunto, veio-me a mesma dúvida ancestral sobre quem veio primeiro, se o ovo ou a galinha. Perguntei-me, então, quem teria nascido antes: a cor ou a flor?
Conclui que antes veio a cor, pois primeiro fez-se a luz, trazendo em seu espectro róseos tons para as pétalas, tons que acabaram por batizar a flor e depois, também, lindas meninas.
Nestas ondas de luz mais alongadas, o tom rosa se estabeleceu mais distante do frio azul do céu e aproximou-se do rubor incandescente do crepúsculo que anuncia a noite com seus sonhos e amores, tantas vezes iniciados e alimentados por flores.
A rosa, bem sabe ela, serve a tantas funções que veste a cor mais adequada a cada ocasião. É amarela e medrosa ao surgir sem aviso sobre o túmulo ou quando é oferecida a alguém simbolizando votos de prosperidade; é branca para sugerir a paz e a tranquilidade; vermelha como símbolo de amor e paixão; champagne em sinal de respeito e simpatia; ou mesmo negra ou azul, cores que por acaso nunca avistei em qualquer jardim.
Alguém poderá me alertar que rosas têm espinhos. Digo-lhe que não. Caules têm espinhos. Rosas têm apenas pétalas quase transparentes; que permitem, vistas contraluz, se perceber a seiva viva a circular em suas finas tessituras.
O fato é que as rosas encantam nos buquês e nos canteiros. Provocam emoções, comoções, lembranças. Geram sorrisos e lágrimas de todo tipo. São atiradas à sorte em cerimônias de casamento. Formam tapetes nas ruas para santas procissões. Enfeitam mesas, inspiram versos... E, acima de tudo, não falam nem gesticulam. Porque são amigas e “amigo tem o dom de se fazer compreender até sem sinais. Até sem olhos”.
Perdão. É tudo o que consigo dizer quando uma flor me inspira a falar de outra.
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