Como jovem xaxinense transformou o bordado livre em expressão artística

Por Vitória Schettini

Como disse o escultor francês Auguste Rodin, "a arte é a contemplação: é o prazer do espírito que penetra a natureza e descobre que ela também tem uma alma". A citação ecoa perfeitamente a jornada de Giovana Cenci, uma jovem xaxinense de 22 anos que encontrou na prática do bordado livre uma forma de contemplação, expressão artística e terapia. Enquanto ela segue os estudos em Engenharia Química em Portugal, o bordado se tornou não apenas um hobby, mas um meio de explorar sua própria alma criativa, transformando-o em um trabalho valorizado.

Giovana relata que morou em Xaxim até os 17 anos, quando foi aprovada em Engenharia Química na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), no campus de Frederico Beltrão. Assim, atualmente, ela concilia os estudos da dupla diplomação pela universidade com a paixão pelas artes em geral.

"Sempre fui a pessoa que desenhava no meio de certas aulas, que gostava de colocar um esforço a mais nos trabalhos de artes na escola e que nas férias e no tempo livre gostava de explorar a arte. Mas, mesmo assim, isso sempre foi um fator secundário, que eu usava mais para relaxar do que via como algo promissor na minha vida", lembra a jovem.

REFERÊNCIAS

Ela conta que as influências para que começasse a bordar vieram de dentro de casa, sobretudo com a irmã, Caroline, que já tinha alguns materiais de bordado como um bastidor, tecido, agulha e linha e fazia alguns bordados em ponto cruz em casa. Ainda, Giovana salienta que sempre via a irmã costurar roupas para as próprias bonecas ou pintando quadros de personagens para decorar o quarto, sentindo-se, assim, influenciada artisticamente.

"Talvez se não fosse por essa facilidade inicial de encontrar os materiais em casa, eu não teria iniciado no bordado. Também houve o tempo ocioso da pandemia, que me fez explorar meu meio artístico mais profundamente e onde eu vi que realmente conseguia produzir desenhos que eu considerava bons. E, por fim, meu namorado João foi o primeiro gatilho que fez eu iniciar e finalizar um bordado, já que meu primeiro trabalho foi um presente de dia dos namorados para ele, em 2020. Então, eu fiz mais alguns testes e achei que seria positivo a ideia de comercializar meus bordados", registra Giovana.

Sobre o bordado livre, a artista ressalta que ele permite mais criatividade em relação à técnica utilizada. "Há alguns pontos clássicos que eu utilizo nos meus projetos, como o ponto atrás, cheio, haste, corrente e matiz, mas nunca me limitando a apenas uma técnica. Já nos bordados tipo contorno, costumo usar os pontos atrás e haste e já no bordado realista, eu me aproximo mais ao ponto matiz para criar o degradê e a mescla de cores", a xaxinense explica, detalhando o processo de criação.

Em seguida, ela afirma que não há fórmula mágica para se desenvolver no bordado além de prática. Giovana afirma que sempre acompanhou muitos artistas bordadeiros, que compartilhavam sobre trabalhos e técnicas, além de vídeos no YouTube. Assim, o crescimento em habilidade aconteceu muito após perceber que o bordado demanda paciência para fazer cada detalhe e até refazer, caso necessário.

Além disso, Giovana expõe que sua experiência acadêmica em Portugal a influenciou sobre a decoração em seu bordado, absorvendo referências de outras profissionais e de seus trabalhos no Instagram.

"Acredito que a inspiração vem quando você não fica incessantemente procurando por ela. Então, quando eu observo algo inspirador no cotidiano, eu tiro foto, print ou escrevo para não perder a ideia, para que possa ser usada futuramente. No geral, meus bordados são feitos a partir de encomendas. Assim, a ideia geral já vem na maioria das vezes pré-estabelecida e eu me esforço em criar uma composição criativa em cima daquela ideia inicial", pontua.

DE HOBBY A TRABALHO

Em meio a um cenário de desafios e mudanças durante a pandemia de Covid-19, a jovem artista encontrou uma maneira única de expressar a criatividade e conectar-se emocionalmente com seus clientes por meio do bordado. A jornada começou em meados de 2020, quando decidiu embarcar na comercialização de bordados que iam muito além de meras peças decorativas.

No início, Giovana se dedicou a produzir bordados minimalistas de fotos, aproveitando sua afinidade com a arte de retratar pessoas em papel. Isso não era novidade para ela, o que facilitou a transição para o mundo do bordado. Contudo, sua busca pela evolução artística a levou a explorar um estilo mais realista, focando em animais. Esse desafio, mesmo que fosse complexo, a cativou pela beleza e profundidade que conseguia transmitir.

"Hoje em dia, não é apenas isso que me fazem gostar desses estilos. Além de eu gostar de ver a minha evolução e de poder entregar um trabalho bonito, eu vejo como um bordado finalizado vai muito além disso. A maioria das pessoas que me procuram para um orçamento têm um sentimento a mais carregado nas expectativas de um bordado, ou é para presentear alguém especial, ou para eternizar um animal de estimação querido que muitas vezes já faleceu. Eu comumente recebo mensagens de clientes que receberam o bordado e ficaram emocionados pelo sentimento que os trouxe e poder proporcionar algo tão significante para quem recebe é o mais especial para mim", ressalta

Quanto aos prazos, a artista assegura que sempre deixa claro os prazos necessários para a entrega aos clientes, esforçando-se ao máximo para acomodar pedidos com prazos mais curtos. Ela compreende que a pressa muitas vezes prejudica a perfeição, e, por isso, trabalha com calma e atenção aos detalhes em cada etapa do processo.

"Comecei a comercializar bordados na metade de 2020 e foi uma longa jornada até aprender a precificar os meus orçamentos de forma correta. Eu faço um orçamento próprio para cada bordado, uma vez que o valor depende de muitas coisas, como a complexidade, quantidade de cores, tamanho do bastidor e o principal: o tempo. Então se um bordado que leva cinco horas para ser feito, desde a criação da arte, risco para o tecido, bordar de fato e o acabamento, tem determinado valor. Já um bordado que leva 40 horas, vai ter um valor quase que proporcional às horas trabalhadas", revela ao Lê.

TRABALHO MANUAL

Ela acredita que a pandemia desencadeou um grande crescimento no mundo do bordado no Brasil, à medida que as pessoas buscaram maneiras de se reinventar e explorar seu lado artístico. Novos cursos e tutoriais on-line de bordado surgiram, atraindo entusiastas e impulsionando o conteúdo relacionado à arte nas plataformas digitais. Para ela foi da mesma forma, sendo o bordado um processo terapêutico.

"Muitas vezes, eu consigo bordar e escutar podcasts ou até mesmo assistir alguma série ou filme. Ainda assim, eu sempre deixo alguma tela ao meu lado com a foto de referência e sigo atentamente cada detalhe e cada ponto a essa referência. Muitas vezes, é necessário avaliar o ponto feito, voltar atrás e refazer e, apesar de ser algo frustrante, um ponto levemente diferente pode mudar uma expressão facial ou um detalhe importante para o resultado final. Portanto, estar atento a esses detalhes faz toda a diferença", explana.

A experiência de intercâmbio da estudante brasileira no Instituto Politécnica de Bragança (IPB), em Portugal, não apenas ampliou seus horizontes acadêmicos, mas também a levou a aprofundar a paixão pelo bordado. A parceria entre sua instituição de origem, a UTFPR, e a IPB, permitiu que ela dedicasse tempo às artes manuais em meio a sua jornada como estudante de engenharia.

Mesmo com o foco principal em sua formação acadêmica e profissional, a estudante encontrou um equilíbrio entre suas encomendas de bordado e seus estudos. As semanas com maior demanda de trabalhos são contrabalançadas por períodos de dedicação integral aos estudos. Assim, a experiência de intercâmbio trouxe inspirações valiosas para as criações artísticas, enriquecendo o processo criativo e mostrando como diferentes vivências podem se entrelaçar de maneira única.

Sobre desafios, a jovem evidencia que o trabalho mais desafiador tenha sido o primeiro animal bordado em forma realista. Na época, em 2020, eu não tinha noção de quanto tempo um bordado desse tipo levaria para finalizar. Assim, minha paciência não estava alinhada, nem com o valor requisitado na época, tampouco com minha expectativa de demora. Isso por conta da insegurança, pela falta de experiência e comparação com grandes bordadeiras, que fazem esse estilo com muita técnica", acentua.

Nas redes sociais, Giovana compartilha fotos e a beleza de seu trabalho, no TikTok e Instagram, onde interage com seguidores, compartilha o processo de suas encomendas e apresenta o resultado de suas criações.

METAS

O horizonte do trabalho de bordado da artista se estende a muitas ideias promissoras. Em meio a uma realidade em que o bordado é frequentemente subestimado, Giovana busca desafiar essa percepção. Ela compreende que o bordado é mais do que uma simples atividade artesanal, é um trabalho legítimo com seus próprios custos, lucros, investimentos e, acima de tudo, uma singularidade artística que merece reconhecimento.

Mas enquanto o bordado, por si só, talvez não possa ser sua única fonte de renda, ela vislumbra diversas oportunidades dentro desse campo. Entre suas aspirações, está a oferta de kits completos para bordar, fornecendo a todos os interessados os materiais necessários e orientações precisas para criar suas próprias obras.

Além disso, ela considera a possibilidade de ministrar cursos e workshops, compartilhando as técnicas envolvidas na arte do bordado. Assim, ela busca não apenas valorizar seu trabalho, mas também inspirar outros a explorar o vasto potencial criativo desse meio muitas vezes subestimado.

MENSAGEM DE INCENTIVO

Às pessoas que sonham ou estão pensando em começar a bordar, Giovana deixa uma mensagem de incentivo, destacando que o mundo do bordado é encantador e pode ser muito terapêutico.

"Você pode fazer algo que te preencha e ainda seja carregado de sentimento e valor. Uma frase comum no meio do bordado é que `quem borda, borda porque gosta`, justamente pela desvalorização gigantesca em cima do valor de um bordado. Eu por muito tempo costumava cobrar um valor muito mais baixo do que eu deveria por medo das pessoas acharem `caro`, e atualmente consigo me valorizar e pedir um valor mais próximo do que eu considero adequado. Então, caso alguém esteja pensando em iniciar no bordado eu diria: se valorize desde o início, não compare sua evolução com outras bordadeiras, pois ela é única e nem sempre linear. Divirta-se e aproveite o relaxamento que o bordado proporciona", finaliza a xaxinense.