Cursos à distância preocupam universidades comunitárias e conselhos de classes

Ainda em fevereiro deste ano a OAB Nacional já havia manifestado ao Ministério da Educação (MEC) sua contrariedade em liberar cursos de Direito na modalidade 100% à distância (EaD). Por outro lado, o MEC tem demonstrado constante interesse em liberar cursos nesta modalidade também para áreas de Odontologia, Enfermagem e Psicologia.

Tal situação tem colocado em lados opostos representantes de conselhos de classe destas profissões, e doutro instituições particulares de ensino que defendem ensino à distância para tais cursos. Quem faz coro contrário a esta iniciativa, é a Associação Brasileira das Instituições Comunitárias de Educação Superior (Abruc). A pressão recai sobre o MEC, que já havia prorrogado por 270 dias ainda em março quando suspendeu novas aprovações.

Para o presidente da Abruc, Cláudio Alcides Jacoski se faz necessário “encontrar uma forma de melhor utilização do EaD, não como atualmente, focado em reduzir preços de mensalidades, mas sim de atingir com qualidade, aqueles que não tem o acesso aos cursos presenciais. Os licenciados formados pelo modelo atual de EaD escancaram uma deficiente formação que se reproduzirá na formação do ensino básico do país. Muitas instituições sérias e de sólida formação nos campos do direito, enfermagem, odontologia e psicologia, estarão descontinuando atividades em breve, assim como ocorreu com as licenciaturas, se uma política desenfreada de cursos EaD nesta área for permitida”, aponta o Jacoski.

De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em 2020, primeiro ano da pandemia, o número de ingressantes nos cursos a distância superou o de ingressantes nos cursos presenciais pela primeira vez nas faculdades brasileiras. Na semana passada dados divulgados pelo Censo da Educação Superior, apontam para o aumento dessa distância. De acordo com a secretária de Regulação e Supervisão da Educação Superior do MEC, Helena Sampaio, "há um fenômeno de migração de cursos presenciais para cursos de EaD".

COMPREENDA O CASO

O MEC criou um grupo de trabalho para avaliar a inclusão das graduações em Direito, Enfermagem, Psicologia e Odontologia na modalidade EaD. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), os Conselhos Federais de Enfermagem (Cofen), Psicologia (CFP) e Odontologia (CFO) têm manifestado publicamente sua contrariedade a esta iniciativa do ministério. "A OAB tem reiterado ao MEC sua preocupação com a grande quantidade de cursos de Direito de má qualidade e, nesse contexto, se posiciona contra a liberação de cursos a distância, que não atendem às necessidades para a boa formação dos estudantes", diz Beto Simonetti, presidente da OAB Nacional.

"O Sistema Cofen/Conselhos Regionais de Enfermagem entende que a profissão exige habilidades teórico-práticas e relacionais que não podem ser desenvolvidas sem contato direto e intenso com pacientes e equipamentos de saúde." Na avaliação da entidade, mesmo com a exigência de que parte do curso seja feita de forma presencial não se mostraria suficiente. "Temos lutado em muitas frentes, acreditando que o enfermeiro com boa formação vai valorizar a nossa profissão. O Cofen denunciou as condições dos polos de apoio presencial dos cursos na Operação EaD", acrescenta o texto.

Por outro lado, o Conselho Federal de Psicologia, defende que todos os cursos da área da Saúde sejam integralmente presenciais. A entidade enviou para Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado um parecer em que pede o fim da autorização de cursos EaD. Entre os argumentos constantes no documento há uma alerta: "o ensino a distância nos cursos da Saúde representa um grave retrocesso, com precarização da qualidade da formação e, consequentemente, da assistência ofertada à população".

Para os integrantes do Conselho Federal de Odontologia (CFO), "não se deve descartar que cursos de Odontologia se valham de soluções tecnológicas no processo de ensino-aprendizagem, porém o perfil do profissional exigiria o desenvolvimento de habilidades manuais e o domínio prático de técnicas que atualmente seriam, na visão apresentada, de difícil disponibilidade na modalidade EaD", aponta o CFO.

Para o assessor jurídico da Associação Brasileira das Instituições Comunitárias de Educação Superior (Abruc), Dyogo Patriota, há dus preocupações em relação ao crescimento desenfreado dos cursos EAD: “a primeira voltada ao estudante, sem dúvidas, e a segunda às universidades. Para os alunos, embora tenha ampliado acesso ao ensino superior, há um consenso sobre a falta de qualidade desses cursos, o que se reflete na incapacidade do MEC de fiscalizá-los. Há instituições de ensino superior que podem abrir mais de 300 polos de ensino a distância sem prestar contas a ninguém. No que envolve as universidades com excelência há uma forte preocupação não só porque ensino a distância não é a regra, mas, sim, a exceção em todos os demais países (impensável mesmo nos EUA, que também tem distâncias continentais como o Brasil), mas tem criado uma guerra entre as instituições, não pela apresentação de excelência no ensino, mas tão só pelo preço", avalia Patriota. "O que o MEC escolherá? Formar muitos e muito mal ou criar políticas de acesso ao ensino superior de qualidade?”

Tais questionamentos tem sido pauta entre representantes do MEC, instituições de ensino superior e conselhos de classe. Não há prazos definidos sobre uma decisão final do Ministério da Educação sobre a questão.