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“E se não for o cara?”, questiona Dr. Ércio Quaresma

Por: LÊ NOTÍCIAS
17/10/2018 09:44 - Atualizado em 17/10/2018 09:46
Axe Schettini/LÊ Ércio Quaresma é advogado criminalista há 28 anos e concedeu entrevista exclusiva ao LÊ Ércio Quaresma é advogado criminalista há 28 anos e concedeu entrevista exclusiva ao LÊ

Natural de Nova Iguaçu (RJ), foi morar em Minas Gerais aos 15 anos. Já maior de idade, com 18 anos entrou no Exército, mas logo deixou as Forças Armadas e aos 23 anos entrou para Polícia Civil, onde ficou três anos. Neste período, foi um dos comandantes da primeira greve da Polícia Civil no Brasil e um dos fundadores do primeiro sindicato de polícia do país. Em 1990, se formou em Direito e depois fez especialização em Ciências Penais pela Fundação da Escola Superior do Ministério Público, em convênio com a Unifenas. Há 28 anos exercendo a advocacia criminal, o renomado e polêmico Ércio Quaresma esteve em Xaxim esta semana e concedeu uma entrevista exclusiva ao LÊ NOTÍCIAS. Confira:


LÊ NOTÍCIAS: Como garantir a ampla defesa do cidadão?

Ércio Quaresma: Atualmente há um problema gravíssimo. Hoje a imprensa decreta a prisão, determina sentença e, muito raramente, de absolvição, pois geralmente é condenação. Eu brinco que se na época de Caim e Abel houvesse imprensa e holofote, Deus teria decretado prisão preventiva por ter ele ter ceifado a vida de Abel. Processo é uma pretensão do Ministério Público que estampa uma denúncia. Isso não é uma sentença condenatória, é uma parte, que é o órgão ministerial, lastreado em um procedimento investigatório, que foi feito por um delegado de polícia, que tem a convicção dele. Por exemplo, o Zé matou o João, o delegado colocou isso na cabeça, arrebatou alguns elementos, pois não há contraditório no Inquérito Policial, então ele tem uma linha de posicionamento. O Ministério Público é convencido daquilo e oferece uma denúncia. Faz interceptação telefônica, afastamento de sigilo bancário e fiscal, ouviu-se A, B, C e D, e a denúncia é recebida, o freguês pode estar preso, numa prisão temporária, convertida em prisão preventiva, e tem nisso uma ação penal. Então é chamado, pela primeira vez, a defesa para participar. Chegando lá, com a denúncia, onde o caboclo é imputado por crime de homicídio: “Apresente a resposta à acusação”. Você tem dez dias para fazer isso. O pitoresco, muita das vezes, é o seguinte: a Lei 9296/96, que trata de interceptação telefônica, fala de 15 dias, prorrogado por mais 15. Tem um caso antológico, de uma médica chamada Virgínia, no Paraná, que foi feito um monitoramento e, no curso das investigações, lavrou-se um laudo. Dizia-se lá: “Acordei com vontade de assassinar”. Isso foi para o papel, virou um laudo... Posteriormente isso foi ratificado, o que era “assassinar” tinha que ser lido como “raciocinar”, pois foi o que ela disse. Dou este exemplo porque às vezes se tem interceptações telefônicas de dois, três ou quatro meses, mas já vi operações da Polícia Federal de um ano. Aí o advogado tem que fazer, em 10 dias, uma peça chamada Resposta à Acusação. Como que se escuta 1000 horas em 240h? Um quarto deste lapso temporal... Então se começa a fragilizar a ampla defesa, violar o contraditório e o devido processo legal. São três princípios constitucionais e a disparidade começa por aí...

LÊ: Qual o processo mais marcante nestes 28 anos?

Quaresma: Para mim todo processo é marcante. O que acontece é que a sociedade dá notoriedade, às vezes devido aos personagens envolvidos ou a dimensão que o fato alcança. Na mesma época do julgamento de Lindemberg Alves [homem que sequestrou e assassinou a ex-namorada Eloá Cristina, em 2008, em Santo André/SP], eu tive um cidadão que ceifou a vida de uma cabeleireira, em Minas Gerais, com sete disparos. Se você pesquisar na internet 'Borracheiro mata cabeleireira', irá ver as imagens do meu cliente entrando num salão e executando a vítima. Esse moço foi apenado em 16 anos, reduzido um ano da confissão, e o Tribunal posteriormente baixou para 14. Ele trabalha para mim hoje, é funcionário no meu escritório. Há uma questão de que as pessoas não permitem a ressocialização, pois não se dá oportunidade para aquele que transgrediu a norma penal. Eu tenho um indivíduo, acusado e condenado por homicídio, no qual nós pedimos a condenação dele, que trabalha comigo. O nome dele é Fábio William Soares dos Santos. Esse caso ganhou notoriedade, pois as imagens foram captadas por um sistema interno de monitoramento e, em face da atitude homicida, ganhou o mundo. Esse fato para mim foi relevante. Por causa da repercussão, da natureza do fato, em que haviam três qualificadoras alinhadas às denúncias, conseguimos retirar uma delas, pois não era pertinente. Nem sempre o trabalho do advogado é pedir absolvição, neste caso eu não tinha outra coisa a pedir se não a condenação. Como eu ia negar autoria? Dizer que era um clone? Que era irmão gêmeo? Não tem jeito... Então você vai postular uma condenação, sob determinados limites.

LÊ: Citaria outro grande caso?

Quaresma: Outro de repercussão foi rotulado como Massacre de Eldorado dos Carajás, onde 19 sem-terras morreram e vários policiais militares saíram feridos. Eram 1.500 sem-terras contra 120 policiais e a imprensa nacional divulgou somente o que foi entregue. A Polícia Judiciária, que investigava o fato, entregou somente um acervo de imagens, no qual mostrava os sem-terras correndo para cima dos policiais e uma rajada de metralhadora. Só esconderam da sociedade que os sem-terra estavam atirando e que eles tinham pólvora na mão. No júri, o promotor disse que devido ao fato dos policiais que atiraram carregarem o corpo, a pólvora migrou. Eu disse que conheço migração de gente, não de pólvora. Os seis oficiais que defendemos foram absolvidos. A mídia mundial e o governo criticaram, mas quem julga crime doloso contra a vida é o tribunal do júri. Eu queria saber qual o político que tem envergadura moral para sentar os glúteos num conselho de sentença e julgar. A mídia é necessária, mas o problema é a informação nefasta em se formar um convencimento. A TV, por exemplo, falando todos os dias da mesma coisa, tem um poder incalculável nas mãos, e o leigo acredita.

LÊ: Como é ver um injustiçado?

Quaresma: Nas palestras Brasil afora, cito o caso do Wagner, de Congonhas (MG), que foi acusado de um latrocínio. Um menor o delatou e ele ficou 8 anos preso dos 24 que foi condenado. Foi quando o rapaz falou que não foi o Wagner, foi o Zé. Imagina passar oito anos em cana... Pensa se você for segregado injustamente. Se você merecer, pau no réu. O termo é “in dubio pro reo”, mas tem um livro que conta a história do Wagner que é “Na dúvida, pau no réu”. É o que vivemos hoje. É uma cultura muito mais gravosa, mas eu gosto de falar a realidade. Às vezes, o Ministério Público busca transformar o jurado em lixeiro social. Eu tive um processo em que o promotor dizia “eu pedi a absolvição, mas o conselho condenou”. Eu disse, eu sei como você pediu absolvição: “Eu não tenho prova, mas ele é bandido. Eu não tenho prova, mas ele é marginal. Eu não tenho prova, mas você vai devolver esse lixo para sociedade”. O que fez o conselho de sentença? Sentou o laço, aliás, o voto, condenando.

LÊ: Então com qual olhar devemos ver um cidadão no banco dos réus?

Quaresma: Você pode falar para alguém, jamais vou roubar, estuprar, traficar... Concordo. Mas quando alguém diz que nunca vai matar, é mentira. Eu falo na frente de qualquer um que é mentira. Eu tenho um filho, coloca-se ele à mercê de um algoz, eu arranco a cabeça do cara com uma tampa de caneta. E aí quero saber o seguinte: qual o tipo de julgamento eu vou ter? Por que eu sou polêmico e defendo “bandido” tenho que ser condenado? Eu quero um julgamento de acordo com o fato que pratiquei. Em que circunstâncias eu vim a ceifar a vida de um indivíduo? A partir do momento que você tem uma ação e ela é tida como delitiva, o que compeliu aquela pessoa a praticar aquela conduta? Isso chama-se amplo direito de defesa e ainda se tem outra coisa chamada contraditório. Então existe uma forma, um procedimento. Primeiro se constrói uma prova para depois ouvir a defesa. Aí se tem o devido processo legal, que é do bem, mas alguns olham como lado ruim. Há um caso aqui no Sul do Brasil, onde a vítima reconheceu o estuprador. Mas observando o vestido da vítima, constata-se material seminal do estuprador, e então pedimos o DNA. Íris, digital, voz e DNA não têm iguais. O exame deu que não era o cara autor do estupro. Então se teve uma prova técnica, dizendo que a prova testemunhal do reconhecimento era inidônea. Depois de transitado em julgado, entramos com revisão criminal. Os desembargadores afastaram a presunção revisional ao fundamento de que a vítima reconheceu seu algoz. Como que se dispensa uma prova técnica, elevando ao patamar de incontestável o reconhecimento humano, de uma pessoa que sofreu uma violência grandiosa e não se sabe quais circunstâncias que isso se deu? Questionam-me: como você defende estuprador e homicida, Quaresma? Eu pergunto: e se não for o cara? O erro pode ser por ignorância, incompetência, má fé e por percepção equivocada da realidade, então existe uma variante monstruosa de situações que pode levar um inocente a sentar no banco do réu.

LÊ: O presidenciável Jair Bolsonaro pretende propor a diminuição da maioridade penal de 18 para 16 anos. O que o senhor acha disso?

Quaresma: Vamos brincar? Eu sou favorável a pena de morte, desde que comece com os corruptos de Brasília. Imagina-se fuzilando os 584 de Brasília [513 deputados e 81 senadores]. Isso é estapafúrdio. Em Minas Gerais existe uma Penitenciária Público-Privada (PPP) e você sabe quanto o Estado paga para manter um indivíduo por um mês? R$ 3 mil. O dia que me contarem que aqui na região de Xaxim, se invista três mil reais para um menor no Ensino Médio, eu passo a maioridade penal para o útero-materno, porque o cidadão quer ser bandido mesmo. Isso não existe, é um negócio irreal, inimaginável. Eu brinco que há duas propostas do Bolsonaro que eu adoro: o Estatuto do Desarmamento, para entregar arma na mão do povo, onde duas categorias profissionais vão gostar muito disso, os donos de funerárias e os advogados criminalistas. Por que eu iria brigar contra a redução da maioridade penal se vai aumentar minha freguesia? Eu uso com sarcasmo. Vai começar colocar menino de 16 anos na cadeia... O índice de reincidência no Brasil é acima dos 75%.

LÊ: A solução seria fortalecer a ressocialização?

Quaresma: As maiores organizações criminosas não estão em presídios, mas sim no Congresso Nacional e no Palácio do Planalto. Eu prefiro edificar escolas a construir presídios, pois assim teremos uma sociedade melhor. O Sistema Penal não ressocializa, hoje temos a terceira população carcerária do planeta. A cadeia, muito dificilmente, irá ressocializar alguém. Você contrataria um cidadão que cumpriu pena por homicídio, estupro ou latrocínio, que pagou a dívida com a sociedade? Francesco Carnelutti falava, ao escrever “As Misérias do Processo Penal”, que o condenado imagina que ao terminar de cumprir a pena, terá dignidade, liberdade, tudo devolvida. Mas isso não acontece, a sociedade não dá oportunidade e esse cidadão terá a pecha de bandido, permanentemente tatuada no corpo dele. Esse é o nosso problema.

LÊ: Sua passagem na região tem qual motivo?

Quaresma: Estou com uma parceria aqui na região com os advogados Dr. Valmar, Dr. Claudiomiro e Dra. Marlei. Temos um processo tramitando em Xaxim, mas está em segredo de justiça, então não dá para tecermos maiores considerações e em novembro teremos um júri em Lages. O privilégio da minha profissão é conhecer pessoas e lugares diferentes. No Rio Grande do Sul, fui aprender o que era cancha de bocha. No Norte do Brasil fui conhecer o que era terçado. Isso é enriquecedor. Essa diversidade cultural dos seres humanos me fascina. Tenho tesão pelo o que faço, puro prazer. Às vezes brinco ao dizer que tenho orgasmos múltiplos. Então agradeço pela oportunidade de estar em Xaxim e poder palestrar aos estudantes de Direito na Celer Faculdades.


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