Desde 2005 exercendo o cargo de desembargador, Cid Goulart Júnior assumiu recentemente o Tribunal Regional Eleitoral e será o responsável pelas eleições municipais em Santa Catarina no ano que vem. Em entrevista exclusiva concedida ao jornalista Marcos Schettini, o presidente do TRE falou dos desafios no comando da Justiça Eleitoral, da possível unificação das eleições e defendeu uma maior participação social na política.
Marcos Schettini: Quais são seus desafios mais firmes para dar um rumo novo ao TRE?
Cid Goulart Júnior: Estar à frente da Justiça Eleitoral é sempre um desafio, afinal de contas em meu mandato terei que manter um trabalho de excelência e inovação, reconhecido pela sociedade catarinense. Por isso, não diria se tratar de um rumo novo, mas da ampliação de conquistas que já vêm sendo planejadas e exigem direcionamento. No campo prático, inúmeros são os desafios para o ciclo 2019/2020. Cito alguns.
Em decorrência da decisão do Supremo Tribunal Federal exarada no Inquérito nº 4435 tivemos a ampliação de competência da Justiça Eleitoral no campo jurisdicional. Com essa decisão, foi confirmada a competência da Justiça Eleitoral para julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhes forem conexos, o que faz com que muitos crimes investigados dentro da Operação Lava Jato sejam enviados à Justiça Eleitoral. Deveremos especializar corpo técnico e contar com recursos humanos capacitados para auxiliar em primeiro e segundo graus. Estamos estudando a melhor forma de realizar essa atividade, inclusive com convênios, termos de cooperação e novos planejamentos.
A meta de alcançarmos 85% de eleitores biometrizados para o ciclo de 2019/2020 envolve um planejamento colaborativo, que conta com a participação das prefeituras dos municípios envolvidos, da imprensa local e da própria comunidade. Isso tudo contando com o comprometimento e o envolvimento incansável de todos os nossos servidores.
Outro desafio é a implantação do Processo Judicial Eletrônico (PJe) nas zonas eleitorais de todo o Estado, um trabalho árduo que envolverá parcerias, reuniões e preparo do nosso corpo técnico. Os próprios juízes eleitorais deverão ser treinados, já que a plataforma é diferente da utilizada pela justiça estadual. Além disso, essa implantação impactará outros profissionais que desenvolvem suas atividades nas zonas eleitorais, como o Ministério Público Eleitoral e a Ordem dos Advogados do Brasil, os quais, certamente, contarão com o apoio da Justiça Eleitoral.
Internamente, o que não é de conhecimento da sociedade, temos sofrido com a perda do nosso corpo técnico especializado, em virtude das aposentadorias dos servidores, sem possibilidade de realizar o preenchimento dos cargos vagos em virtude de cortes orçamentários e imposições legais. O quadro que observo hoje é um aumento de trabalho para a eleição de 2020 e uma diminuição de quadro de pessoal. Para continuar a prestar o serviço de excelência, que é a marca da Justiça Eleitoral, estamos buscando nos reinventar, com a implantação de um programa de Gestão por Competências.
Mesmo diante de todos esses desafios, estamos comprometidos e focados em bem atender a sociedade e ajudar na manutenção da democracia verdadeira e legítima. Haverá evolução no trabalho da justiça eleitoral com experiências positivas e sólidas.
Schettini: O combate ao fake news é uma dura guerra. Como vencer esta batalha com fatos concretos?
Cid Goulart: A guerra contra as notícias fraudulentas é um trabalho ininterrupto para a Justiça Eleitoral catarinense que foi institucionalizado por meio de um comitê permanente de combate e prevenção (Portaria nº 73/2019).
Nosso trabalho é combater a disseminação de notícias que possam influenciar a disputa eleitoral ou arranhar a imagem de instituições sólidas de nosso País. E digo a todos, essa batalha se vence com transparência, trabalho de prevenção, informação e diálogo com a sociedade. Além disso, devemos ter respostas rápidas aos questionamentos feitos e às notícias inverídicas disseminadas.
Schettini: O judiciário, em todas as direções, tem sofrido forte ataque nas redes sociais. Por quê?
Cid Goulart: O poder judiciário goza de respeito e confiança de grande parte da população. Ataques feitos à instituição tem o efeito de minar a confiança e desacreditar o trabalho realizado, em especial o trabalho da Justiça Eleitoral.
Um exemplo dos ataques sofridos pela Justiça Eleitoral na eleição passada se deu com a disseminação de notícias relativas à fraude nas eleições. Notícias inverídicas como essas servem como um estopim para abalar a própria democracia.
Schettini: Quais serão as novidades que o TSE vai apresentar para o processo eleitoral do ano que vem?
Cid Goulart: O TSE, em fevereiro deste ano, por meio da Portaria n. 115/2019, criou um grupo de trabalho incumbido de realizar estudos para identificar os conflitos nas normas vigentes decorrentes das reformas eleitorais e propor a respectiva sistematização. É inegável que uma sistematização da legislação traz celeridade na resolução de conflitos e imprime maior eficiência aos serviços jurisdicionais. Se o trabalho desse grupo for finalizado até o final deste ano, por certo, teremos boas inovações para as eleições de 2020.
No campo político, se tivermos alguma alteração na legislação eleitoral, que respeite o princípio da anualidade eleitoral, poderemos ter algum impacto nas eleições de 2020. Já temos notícia da tramitação de PEC para permitir o retorno das coligações para as eleições de 2020, o que, assim esperamos, de o Congresso Nacional ampliar o debate às diversas esferas da sociedade.
De outro lado, como disse, uma questão que me traz preocupação é o fato que teremos um aumento de trabalho para a eleição de 2020 – com implantação de sistemas, assimilação de novas competências e ampliação da biometria no Estado – e, ao mesmo tempo, uma diminuição em nosso quadro de pessoal. Apesar de nossos servidores serem especializados e com forte comprometimento e motivação, deveremos criar parcerias com outros órgãos a fim de tentar suprir parte de nosso déficit.
Schettini: Como o senhor olha o chamado mandato tampão para unificar as eleições?
Cid Goulart: A resposta a ser dada ao mandato tampão para unificar as eleições deve vir de toda a sociedade. E tal resposta deve se dar com reflexão e diálogo. Muitos defendem a unificação da eleição como meio de economia. Creio que o ponto forte dessa visão se dá quando se afirma que com a unificação da eleição se cortará o grande gasto de dinheiro público com a realização de eleições a cada 2 anos.
De outro lado, há que se refletir com a afirmação daqueles contrários à unificação das eleições. Estes afirmam que poderemos ter um afastamento do eleitor do debate político, em especial em relação aos assuntos locais de sua cidade, de seu dia a dia, relativos às prefeituras e aos assuntos das Câmaras de Vereadores.
Há ainda aqueles que afirmam que a ideia central de democracia é a participação constante da população na política e uma eleição unificada retiraria essa participação. Não vejo como não termos um debate sério e profundo com toda a sociedade antes de decidir o que será o melhor para nós como cidadãos.
Schettini: Seria correto afirmar que o eleitor, com o exercício do voto a cada dois anos, teria mais identificação com o Brasil desejado?
Cid Goulart: Não há uma resposta única para esse questionamento. O que podemos ter em mente é que, quanto maior a participação do povo na política, maior será a influência nas modificações almejadas e, consequentemente, maior será a identificação com o Brasil desejado.
Schettini: Qual sua avaliação sobre o duodécimo?
Cid Goulart: Para termos clareza sobre a resposta, conceituo duodécimo como recursos correspondentes às dotações orçamentárias destinadas ao poder Judiciário, que devem ser entregues até o dia 20 de cada mês, na forma da lei de diretrizes orçamentárias.
O duodécimo é previsto na Constituição Federal, mais especificamente no artigo 168. Sua criação teve como fim garantir a independência dos poderes, em especial a do Poder Judiciário.
Com o duodécimo se assegura a autoadministração do Poder Judiciário, permitindo o planejamento institucional, que se faz a curto, médio e longo prazo. Com a entrada dos valores, o Poder Judiciário pode fixar suas metas e prioridades, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, ou seja, executamos o presente e podemos planejar o futuro.
Não tenho dúvida de que em tempos de diminuição de arrecadação e cortes de gastos se questione esse instrumento constitucional de divisão de receitas, mas ao mesmo tempo lembro que o descumprimento dos repasses inviabiliza a satisfação das dotações orçamentárias, bem como compromete a autoadministração.
Qualquer modificação em tal mecanismo depende de intenso debate por todos os envolvidos.
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