O magistrado de escol da 3ª Vara da Fazenda da Comarca da Capital, Dr. Marco Aurélio Ghisi Machado, atendendo a pedido veiculado pela Defensoria Pública de Santa Catarina, nos autos da Ação Civil Pública n. 0337043-92.2014.8.24.0023, em que funcionou a OABSC como interveniente na qualidade de “Amigo da Corte”, condenou o Estado de Santa Catarina, nada obstante manifestação da PGE e do MPSC contrariamente ao pleito, a não mais proceder revista íntima vexatória nos familiares visitantes dos apenados nos estabelecimentos prisionais, devendo substituir a degradante prática por uso de outras técnicas como scanners.
O pedido, e por consectário a decisão, no campo jurídico se fundamentam na dignidade da pessoa humana assegurada como fundamento de nossa República na Constituição Federal, e no Pacto de San José da Costa Rica sobre Direitos Humanos. Irretocável juridicamente, e no campo dos fatos, um marco civilizatório e inteligente no efetivo combate contra o crime em Santa Catarina.
Ora, certo que a grande maioria dos detentos retornará à sociedade, e mais evidente ainda que a população carcerária, que abarca presos provisórios, não raro realmente tem inocentes em suas fileiras, vez que sobrevêm inúmeras sentenças absolutórias determinando a soltura de quem preso estava. Mas, mais certo ainda, que quem cumpre a pena ou está detido tem seus direitos tolhidos, o que não é o caso de suas esposas, filhas e mães, que possuem o direito de visita-los sem que para isso tenham que ser humilhadas.
O mundo carcerário é implacável, logo ao chegar o detento se depara com necessidades básicas, tais quais ter escova de dentes e creme dental, o que logo lhe é “ofertado” por “colegas de prisão”, cuja fatura vem embutida: colaborar com a facção criminosa que lhe fez “a cortesia”. Fica-se, assim, “em dívida” com facções criminosas aquele cidadão que por vezes está ali por ter perdido o emprego e atrasado a pensão alimentícia, ou por não ter conseguido recolher o ICMS de sua empresa em virtude de penhora trabalhista em suas contas. Sim, muita gente de bem também vai presa e se defronta com as vicissitudes do sistema.
Ocorre que, a mãe, esposa ou filha dos presos deviam – antes da decisão em foco – passarem por revista íntima vexatória, que consistia em se desnudar e arregaçar suas entranhas diante de agentes públicos em cima de espelhos, antes de procederem à visita, o que é humilhante, degradante, medieval, ultrapassado, e uma pena de certa forma em face de quem não é condenado.
Tal proceder tinha o condão de afastar familiares das visitas aos presos, sentindo-se humilhadas, muitas mulheres principalmente, não mais pisavam na cadeia, por via de consequência o afeto, sobretudo a pasta de dentes e o creme dental não mais chegando ao preso o tornava presa fácil às facções criminosas, que passavam a promover suas necessidades básicas, para à frente impor-lhe a fatura de cometer um delito em prol da organização para “pagar a conta”.
Sublinha-se, por oportuno, que há dados estatístico que no Brasil mais de 90 % por cento de drogas e armas apreendidas que entraram indevidamente em cadeias provêm da corrupção de agentes públicos e outros, e não de visitantes, cuja proporção é de menos de 1%, e cairá a “zero” em SC com o uso de scanners.
Em outras palavras, o procedimento humilhante, degradante, vetusto, inconstitucional e indevido de revista servia mais para destruir famílias e jogar “marinheiros de primeira viagem” no colo das organizações criminosas do que para inibir efetivamente a entrada de armas e drogas nas prisões. Não se combate ao crime apenas com pena de prisão, mas com medidas inteligentes para assegurar que àquele que voltará ao convívio social não mais venha a delinquir, e o papel da família nesse processo é fundamental, pelo que deve ser promovido e não dificultado pelo Estado.
Ademais, o uso de scanners nas prisões, tal qual nos aeroportos, cumpre o mister de detectar previamente aqueles que eventualmente estão a levar drogas e armas jungidos ao corpo, inibindo-os de assim proceder, e retendo-os sendo o caso, mas sem humilhar a imensa maioria que vai apenas levar um conforto ao seu ente querido que voltará (queiramos ou não) a conviver conosco.
Assim, a ação civil pública promovida pela Defensoria Pública de SC, com o apoio da OABSC, embora tenha encontrado resistências injustificáveis nas manifestações da douta PGE (essa por dever de ofício a defender o Estado) e no MPSC (esse órgão com autonomia, que poderia ter se manifestado diversamente), obteve êxito por ser o pedido fruto tanto de direitos basilares de nossa sociedade, mas sobretudo por refletir diretamente no campo social, por promover a família no processo de recuperação de presos, o que naturalmente reduzirá os índices de reincidência, ao passo que o Estado passa a ser nesses aspecto um facilitador da recuperação do indivíduo – respeitando quem não está a cumprir pena – e não um vetor de incentivo a jogá-lo – como estava a ser – no colo das organizações criminosas.
A propósito, Santa Catarina é o Estado mais afeto à tecnologia no Brasil, estava mais do que na hora de sair da “idade média” no que concerne à segurança de suas cadeias, e avançar rumo a procedimentos condizentes com sua boa fama e com a dignidade de sua gente. Logo, os scanners nas prisões vêm ao encontro do anseio de garantir a segurança de um lado, sem afastar as famílias de outro, que antes eram submetidas a procedimentos vexatórios e agora passarão a ser revistadas de forma digna e mais eficiente, inclusive, o que é interesse de toda a sociedade.
Em suma, revistar sim, e para isso se presta os scanners mais que os olhos humanos, humilhar, fazendo com que pessoas que não são apenadas abram suas entranhas em frente de agentes sobre espelhos, não!
Enfim, um golaço de placa da Defensoria Pública de Santa Catarina em parceria com OABSC, - em que venceu: a inteligência, a eficiência, a tecnologia, os direitos humanos, a sociedade; e perdeu: o atraso, a degradação, a humilhação, e o fomento ao crime organizado -, o que denota que essas Instituições são essenciais à Justiça além dos dispositivos constitucionais e legais que dizem isso, mas efetivamente no dia a dia dos cidadãos, conforme decisão judicial irretocável do expoente da magistratura Barriga Verde, o Juiz de Direito Dr. Marco Aurélio Ghisi Machado, que só foi possível porque a Lei, e ao depois o STF em julgamento de ADI, assegurou à Defensoria Pública (por 11 votos a 0) a possibilidade ajuizar também ações coletivas ao lado de uma miríade de legitimados.
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