Nessa última semana, no intermeio da divulgação de diálogos pela Intercept Brasil, em que se revelou a possível tentativa do procurador Deltan Dallagnol em buscar derrubar sua chefe Raquel Dodge, ocuparam os espaços das redes sociais pretenso diálogo em que um líder do crime organizado teria dito que com o governo federal anterior havia conversa, o que estaria sendo obstaculizado pelo trabalho do atual ministro da Justiça.
Mais uma vez os lados polarizados da política nacional se engalfinharam nas mídias eletrônicas, e mais uma vez ambos sem razão alguma.
Ora, quem trabalha no sistema prisional sabe que não é de hoje o Estado sim dialoga com o crime organizado, a começar na triagem do detento que chega à prisão, eis que se trata de questão de sobrevivência aos faccionados ficarem em celas ou alas dominadas pelo seu grupo, sendo fatal o contrário, cair no território da facção rival. Errar nesse momento de triagem o preço é a vida. Caiu em cela ou ala da prisão dominada pelo inimigo é praticamente uma sentença de morte. Assim, o Estado, por meio de seus agentes, conversava nos governos anteriores, e, continua sim no atual governo, parlando com o crime organizado diariamente à cada prisão.
Portanto, não é novidade alguma o diálogo estatal com o crime organizado “paraestatal”.
Isso quando o próprio Estado não o é uma organização criminosa legitimada pela força aparentemente legal, mas que esconde uma cadeia de comando com fins escusos, não raro em prol da hegemonia política e financeira de um grupo, em detrimento de todos aqueles que ousam enfrenta-los. Para isso ocorrer é simples, basta se começar a legislar e executar decisões sem o devido processo legal, sem juízes e tribunais realmente independentes, sempre ao sabor dos donos do poder de plantão.
Regime autocrático que já serviu “às esquerdas” e “às direitas”, cujo traço comum é a intolerância, a perseguição dos grupos rivais, e a redução das garantias individuais a meras formalidades. Quando isso ocorre, o próprio Estado passa a ser uma organização criminosa sob as vestes rota de uma pretensa República ou Democracia.
Em outras palavras, em nome de fórmulas estéreis tais quais “a pátria”, “o povo”, “a nação”, “o bem comum”, “as pessoas de bem”, punem-se sem estrita legalidade todos que se opõe ao chavista, nazista, fascista, enfim, ao líder “carismático” de plantão, pouco importando seja de direita, de esquerda, ou “de bem”. Não nos esqueçamos que em “nome de Deus” já se matou, e se mata, muita gente inocente nesse mundo.
Viver sem o crime é uma utopia que não existe em País nenhum do mundo. Em alguns se punem mais, noutros menos, mas fato é que em toda sociedade organizada nesse Planeta há previsão de fatos tidos por crimes, e estes ocorrem independentemente de penas e execuções. É fato.
Nessa ordem de ideias, um Estado democrático em que seus agentes dialoguem, dentro das restrições éticas e legais, ou seja, sem cooperar ou se envolverem com tais organizações, é o menor dos problemas. Problema maior, realmente, é quando o Estado se torna uma organização criminosa na mão de déspotas que solapam garantias individuais, perseguem inimigos políticos, e tudo sob o manto da legalidade formal em prol de um engodo travestido sem exceção de “um bem maior”, porque só assim, diante de “algo maior”, uma maioria apoia ou se cala diante de injustiças perpetradas por quem deveria promover a Justiça em verdade.
Isso porque, dialogo pressupõe no mínimo duas partes diversas (é da etimologia do termo), e enquanto o governo ou Estado dialoga com o crime, a rigor, tem-se um Estado, portanto, diverso do “crime”, logo não-criminoso. Contudo, quando não dialoga nem com sua oposição, tampouco com o mundo do crime, questione-se que talvez realmente não lhe seja possível assim proceder porque já não há duas partes diversas, mas um único ente, o que obsta o diálogo naturalmente por um lado, denota por outro que o crime migrou, não está mais “no externo”, “out”, “fora” do Estado, mas na sua “espinha dorsal”.
Seja como for, nessa vida não há como não conviver com o crime ao redor, devendo nós nos sentirmos vitoriosos quando dele não sejamos protagonistas nem vítimas, seja o algoz de organização criminosa privada ou estatal. Porque sim, o crime organizado dialoga diariamente com o Estado, quando ao menos não é o Estado quem comanda o crime organizado.Rua São João, 72-D, Centro
AV. Plínio Arlindo de Nês, 1105, Sala, 202, Centro