Presidente da Federação das Empresas de Transporte de Carga do Estado de Santa Catarina (Fetrancesc), da cooperativa de crédito Transpocred e do Conselho Regional do Sest Senat/SC, Ari Rabaiolli tem total domínio do transporte rodoviário de carga catarinense, setor importantíssimo para manutenção do abastecimento de necessidades primárias dos cidadãos, ainda mais neste momento sob pandemia. Embora queda de até 80% no faturamento das empresas do ramo, os empresários seguem firmes na distribuição de mercadorias, mantendo os cuidados necessários para impedir a proliferação do coronavírus.
Em entrevista exclusiva concedida ao jornalista Marcos Schettini, o presidente da Fetrancesc falou da iniciativa do Conselho das Federações Empresariais de SC para criação de uma campanha que incentive o consumo de produtos locais e regionais, buscando alavancar a economia estadual. Ainda, observou comportamentos do Governo Moisés, analisando com bons olhos a criação de um Comitê Gestão para alinhar questões do setor público com a classe produtiva. Também, comentou da postura de Jair Bolsonaro, taxando o Governo Federal com lisura, mas com grandes dificuldades na tão sonhada desburocratização do Brasil. Confira:
Marcos Schettini: Qual é a realidade do transporte no Brasil?
Ari Rabaiolli: A realidade atual do Transporte Rodoviário de Cargas (TRC) no Brasil vem sendo prejudicada por estarmos com o comércio fechado, principalmente na região Sudeste, já que grande volume do que é transportado passa por lá. O faturamento das empresas está em torno de 70% a 80% do que estava orçado antes da pandemia. Já tivemos momentos, no começo do isolamento, de 40% a 50% do que estava projetado.
Por sermos uma atividade essencial, uma preocupação muito grande é com o cumprimento dos protocolos com os nossos motoristas, já que eles estão na linha de frente e correm muitos riscos de serem contaminados, em especial por viajarem para regiões em que os números são muito maiores do que aqui. Felizmente, não temos grande percentual de contaminados que preocupem o nosso setor.
Enquanto atividade econômica, o TRC trabalhará com ociosidade, principalmente porque o comércio dos outros Estados ainda não voltou à normalidade. Na carga fracionada, por exemplo, temos linhas com rotas mais curtas com ociosidade em torno de 40% a 50% e rotas mais longas de 20% a 30%. Já na lotação é um pouco diferente, mas os volumes de cargas são menores do que antes da pandemia, também na faixa de 20% a 30%.
Este cenário só vai melhorar quando todos os Estados voltarem à normalidade, mas vai levar alguns meses para retomar o que estava orçado no começo do ano.
No Conselho Regional do Sest Senat/SC, tivemos que tomar medidas drásticas de redução de jornada dos colaboradores, em 25%, 50% e 70%, além de algumas suspensões e demissões. Isso tudo por conta da decisão do Governo Federal em reduzir em 50% as contribuições previdenciárias em favor do Sistema S por 90 dias, o que tem acarretado em prejuízos enormes para o setor.
Já no que tange a competência da Transpocred, cooperativa de crédito do transporte com atuação no Sul do Brasil, agimos rapidamente para auxiliar o setor, com a criação de linhas sociais e linhas de pandemia. Enquanto a grande maioria dos bancos restringiu o crédito ao setor de transportes, a nossa cooperativa saiu de uma média de liberação mensal de R$ 10 milhões para R$ 50 milhões, em abril.
Schettini: Em SC as estradas estão em qual avaliação para a garantia funcional do setor?
Rabaiolli: Segundo uma pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT), a conservação das rodovias de Santa Catarina é considerada com estado regular-ruim-péssimo acima do normal. Em contrapartida, somos privilegiados por termos cinco portos. Tudo o que vem do agronegócio, por exemplo, escoa pela BR-470, cujas obras estão bem atrasadas por conta da falta de recursos. Hoje, um caminhão vindo do Oeste com carga destinada à exportação, leva de 2 a 3 horas a mais para finalizar a operação. Isso acarreta em prejuízos maiores para o transporte, o que já é muito elevado, sobretudo ao considerar o custo fixo do caminhão parado, que é de R$ 100/hora, além do custo variável, que inclui aumento do consumo de diesel, desgaste de sistema de freios e outros componentes do veículo.
Isso quer dizer que, por exemplo, considerando a má conservação das rodovias e os gargalos da BR-101 Norte, em que a travessia entre Joinville a Itapema gera congestionamentos impactantes de 2 a 3 horas, temos enorme prejuízo para o setor.
Foi por isso que a Fetrancesc quis entender os prejuízos que o setor tem na travessia entre Criciúma, Grande Florianópolis, Itapema, Balneário Camboriú, até chegar a Navegantes. E, então, contratou uma pesquisa para fazer este levantamento. Além disso, o custo da logística em SC está acima da média nacional, que tem uma média de 12% e SC está em 14%, devido a estes gargalos da 101, 470, 282 e 280, nestas últimas também por serem pistas simples. Percursos, estes, que têm somado prejuízos para o setor e à sociedade como um todo.
Schettini: Nesta pandemia, o abastecimento está correndo qual risco?
Rabaiolli: Durante a pandemia, graças à nossa atividade, considerada essencial, e a todos os nossos profissionais, motoristas e carreteiros autônomos, conseguimos manter o abastecimento. Então, se depender do Transporte Rodoviário de Cargas, não há risco algum de desabastecimento. Poderá haver, no entanto, se a indústria deixar de produzir, porque tivemos muitas restrições por parte das indústrias em muitos Estados. Contudo, de um modo geral, elas estão produzindo, principalmente os produtos de primeira necessidade, como alimentos, medicamentos e produtos de higiene e limpeza, o que faz com que o TRC tenha a grande responsabilidade e compromisso de garantir o abastecimento neste momento de pandemia.
Schettini: A entrada de produtos estrangeiros não fragiliza a produção nacional?
Rabaiolli: A entrada de produtos estrangeiros fragiliza muito, não só a produção nacional, como também o TRC. A Fetrancesc participa do Conselho das Federações Empresariais de SC (Cofem/SC), formado por sete federações empresariais (Fetrancesc, Fiesc, FCDL, Fecomércio, Faesc, Fampesc e Facisc), em que estamos tratando de uma campanha para consumirmos mais produtos de SC. Entendo, ainda, que o Governo Federal também deveria fazer uma campanha incentivando o consumo de produtos nacionais, o que poderá movimentar muito a nossa economia.
É fato que o brasileiro tem o hábito de comprar produtos estrangeiros e nem sempre estes produtos têm a mesma qualidade que o nacional. Nem sempre os consumidores fazem, sequer, o comparativo de preços com o nacional, o que gera prejuízos para o próprio bolso.
Acredito que a recuperação da economia navegue por esta realidade, de uma campanha para consumo de produtos nacionais, regionais e locais. Ou seja, não só produtos fabricados no Brasil, mas na região em que as pessoas residem.
Schettini: Qual sua avaliação do Governo Federal na crise que piora todos os dias?
Rabaiolli: Acredito que tudo o que o Governo Federal vinha pregando durante a campanha, de que combateria a corrupção, por exemplo, ele vem conseguindo cumprir. Mas, ao falar da desoneração do setor produtivo, da necessidade urgente de reformas estruturantes (tributária, política, administrativa), as ações foram muito prejudicadas, principalmente em virtude do coronavírus e da briga política.
Estas reformas contribuirão na geração de receita e renda para Estados e Municípios, além de estabilizar a economia e contribuir para a recuperação de emprego e renda dos trabalhadores.
Schettini: Por que as crises não terminam? Qual a saída?
Rabaiolli: As crises não terminam porque falta diálogo entre os governos, da classe política de forma geral. Falta, sobretudo, diálogo profundo com a sociedade, política de recuperação da cadeia produtiva. Enquanto houver estes jogos políticos, certamente teremos muita dificuldade para atingirmos o desempenho que o governo criou como expectativa no primeiro ano de gestão, de um PIB em torno de 3% - algo que não ocorreu. Neste ano, quando nós vínhamos em uma retomada da atividade econômica com expectativas de recuperação, veio a pandemia.
Acredito que um profundo diálogo entre classe política e sociedade, principalmente partidos de situação e oposição, entre governos, uma atuação integrada com as próprias atividades econômicas, cadeia produtiva como um todo e governo, reverterá este cenário. Vamos sair da crise e recuperar o prejuízo que a pandemia trouxe para o País. A prova está nas grandes indústrias, que estão fazendo doações expressivas.
Schettini: Em SC, o governador Moisés ignora tudo e todos e corre risco forte de cassação. O senhor é a favor?
Rabaiolli: Acredito que o governador, no primeiro ano de governo, não se aproximou das entidades empresariais e da própria Assembleia Legislativa, o que é fundamental para conseguir apoio em todas as reformas. Agora, principalmente nesta crise, ele se aproximou do Cofem/SC, que, inclusive, teve participação importante na retomada das atividades econômicas e continua participando das decisões do Governo.
Ação que validou esta aproximação foi que, em uma reunião do Cofem, o Governo solicitou nosso apoio para criar um Comitê de Gestão, que será formado por representantes da classe produtiva e do setor público, para auxiliar nas tomadas de decisões.
Este movimento dele pró-setor produtivo, sem dúvida alguma, vai e tem contribuído muito para a retomada das atividades econômicas.
Schettini: Onde a política avança e atrapalha para o crescimento?
Rabaiolli: A política avança à medida em que o Governo tem a maioria no Congresso, o que facilita e/ou viabiliza a aprovação das reformas estruturantes, indispensáveis para a Nação. Por sua vez, ela atrapalha quando a gente percebe que eles se preocupam muito mais em se promover politicamente do que pensar em favor do País e da sociedade.
Neste período de pandemia, ficou evidente o quanto a política está atrapalhando o crescimento e desenvolvimento do País por conta de vaidade e ego de políticos que não dialogam. Ao contrário, ao invés de combaterem o problema e se preocuparem com a retomada das atividades econômicas, tomam decisões mais políticas do que necessárias para o enfrentamento da crise.
Schettini: Qual o futuro diante da burocracia e desrespeito ao cidadão?
Rabaiolli: O País precisa desburocratizar urgentemente. Temos muitos entraves e regulamentações que precisam realmente de atualização e simplificação de processos, para que as atividades empresariais, que movimentam a economia, deixem de enfrentar excessos de tributos.
Precisamos trabalhar urgente nas reformas estruturantes, porque lidamos com elevados custos dentro das empresas somente para cumprir a legislação/regulamentação de cada atividade.
O Governo, desde o início, falou muito em desburocratizar, simplificar, desonerar, mas, infelizmente, no primeiro ano não conseguiu colocar em prática. Agora, no segundo ano, foi sufocado pela pandemia – situação que atrasou este avanço para o Brasil.
Com tudo isso, o País perde, a sociedade perde, as empresas perdem, todos nós perdemos! Isso faz com que haja desrespeito ao cidadão, ao trabalhador, que sofrem as consequências da crise, sobretudo nesta necessidade de isolamento, desemprego em massa.
Se o Brasil não voltar à normalidade urgentemente, com todas as reformas necessárias para simplificar, desonerar, desburocratizar, nós vamos continuar tendo muitos problemas com desemprego. Teremos muitas mortes não apenas de CPFs, mas de CNPJs também, o que refletirá no bolso e na mesa do brasileiro. Não se trata de não pensar em saúde. Aliás, esta análise é justamente pensando no contexto geral da vida de cada um de nós.
Esperamos que a pandemia acabe logo, que se consiga a vacina contra este vírus e que sejam retomadas, logo, as reformas estruturantes para o País.
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