A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Respiradores apontou a responsabilidade de 14 pessoas, entre elas o governador Carlos Moisés da Silva (PSL), pelas irregularidades na compra dos 200 respiradores artificiais pela Secretaria de Estado da Saúde (SES) junto à Veigamed, que não foram entregues. As conclusões do relatório final da comissão foram apresentadas em reunião nesta terça-feira (18).
A leitura da íntegra do documento levou quase cinco horas. Aprovado pelos membros da comissão, ele será encaminhado para o Ministério Público Estadual (MPSC), Tribunal de Justiça (TJSC), Tribunal de Contas do Estado (TCE), Presidência da Assembleia Legislativa, Secretaria de Estado da Administração, além da Procuradoria-Geral da República (PGR), por envolver a figura do governador do Estado.
O documento aponta que, com base nos depoimentos colhidos e nos documentos analisados, ficou “evidenciada a existência de inúmeras irregularidades, negligências e fraudes encontradas que podem ser verificadas desde a fase de instrução do processo de aquisição dos respiradores pulmonares até o seu respectivo pagamento”. No episódio da compra dos respiradores, o Poder Executivo estadual, por meio da Secretaria de Estado da Saúde, “foi relegado ao descaso, à má gestão, à incompetência e à improbidade”, concluiu a CPI.
O relatório poderá implicar em um novo pedido de impeachment de Carlos Moisés, já que o relator solicita o envio das conclusões da CPI ao presidente da Alesc visando à análise jurídica da admissibilidade da abertura de processo por crime de responsabilidade. Para Ivan Naatz, o governador “operou de forma deliberada para ocultar aos membros da CPI a sua omissão dolosa” na compra dos respiradores.
Já com relação às demais pessoas responsabilizadas, a CPI concluiu que, em tese, há indícios da prática de delitos licitatórios – fraude a licitação em prejuízo da Fazenda Pública; desvio de finalidade e de verbas, e consequentemente enriquecimento ilícito, lavagem de dinheiro, peculato e constituição de organização criminosa.
“O que se viu foi um despreparo completo dos servidores públicos que cuidaram dessa compra. Não houve de nenhuma parte, de nenhum servidor, qualquer cuidado para proteger o erário público”, afirmou o relator da CPI, deputado Ivan Naatz (PL), em entrevista. “Houve demora do Estado em agir e isso foi fundamental para que os recursos se desviassem em quase 300 contas bancárias”, completou.
Os responsabilizados
A comissão entendeu que o empresário Samuel de Brito Rodovalho, representante comercial de uma empresa de equipamentos médicos; o advogado César Augustus Martinez Thomaz Braga, ligado à Veigamed; o representante da Veigamed Fábio Guasti; o advogado Leandro Adriano de Barros; além de Pedro Nascimento de Araujo e Rosemary Neves de Araújo, diretores da Veigamed, uniram-se para obter “vantagens financeira ilícitas à custa dos cofres públicos, em momento de afrouxamento dos controles administrativos, dada a necessidade de providências estatais urgentes por conta da pandemia de covid-19”.
O ex-chefe da Casa Civil Douglas Borba, conforme a conclusão da CPI, contribui, ao utilizar o prestígio do cargo que ocupava, para a contratação dos 200 respiradores pela Veigamed ao ter indicado Fabio Gausti e Leandro Adriano de Barros à SES. O ex-secretário da Saúde Helton Zeferino foi apontado pela comissão como omisso na questão, por ter, conforme o relatório, conhecimento do pagamento antecipado dos respiradores, além de ser responsável direto pela dispensa de licitação e pelo pagamento antecipado.
A ex-superintendente de Gestão Administrativa da SES, Marcia Pauli, também foi omissa, na visão da CPI. Para os membros da comissão, ela praticou atos ilegais e agiu de má-fé em vários momentos do processo de compra. “Sem Márcia a fraude não teria se concretizado”, escreveu o relator.
A comissão também concluiu que há indícios de materialidade e autoria de ocorrência de atos lesivos dos servidores André Motta Ribeiro, atual secretário de Estado da Saúde; Carlos Charlie Campos Maia, Carlos Roberto Costa Junior e José Florêncio da Rocha, servidores da SES que participaram do processo de compra dos respiradores.
A participação do governador
Com base em falas de Moisés em coletivas sobre a Covid-19, o relatório também considera que o governador tinha conhecimento do processo de compra dos 200 respiradores, apesar de ter negado isso em depoimento por escrito à comissão de investigação da Alesc. Por isso, o relator considerou que o governador “faltou com a verdade” à CPI.
Além disso, para a comissão, Moisés foi omisso, pois ignorou os alertas feitos pelo presidente do TCE a respeito das medidas que deveriam ser tomadas para evitar compras fraudulentas em casos de pagamento antecipado.
“Por essas razões, os indicativos colhidos por este relator dão conta de que o Governador Carlos Moisés cometeu crime de responsabilidade, não só por faltar à verdade com esta CPI, mas ao impedir ou retardar deliberações que lhe eram de sua competência no sentido de salvaguardar os interesses da administração pública, por conta própria ou representado por seus secretários”, escreve o relator.
Controle interno
Além de aprovar, por unanimidade, o relatório final da investigação da compra dos 200 respiradores artificiais, os membros da comissão parlamentar de inquérito (CPI) apresentaram uma série de recomendações para o Poder Executivo estadual, com o objetivo de fortalecer o controle interno e a fiscalização das compras do Estado e evitar futuras licitações fraudulentas.
Com base nas investigações, a CPI constatou “fragilidades na Controladoria-Geral do Estado (CGE)”, além de entender que a “Secretaria Executiva de Integridade e Governança (SIG) se mostrou inoperante” no caso da compra dos respiradores. “Uma das principais conclusões é a necessidade de fortalecer a CGE, numa fusão com a SIG”, sugeriu a comissão.
Para isso, os membros da CPI recomendaram ao Executivo o envio do projeto de lei que disciplina a organização e o funcionamento da CGE, como prevê a lei que instituiu a reforma administrativa do governo estadual, aprovada no ano passado. Eles também sugeriram que os cargos estratégicos da controladoria-geral sejam ocupados exclusivamente por servidores públicos efetivos do quadro de auditores do Estado, com formação em Direito. Também recomendaram que o controlador-geral não ocupe cadeiras em conselhos da administração pública, além de inclui-lo como membro do Grupo Gestor do Estado.
A comissão apontou, ainda, a necessidade de melhorias no Sistema de Gerenciamento de Processos Eletrônicos (SGPE) do governo estadual. Por fim, recomendou a apresentação de projeto de lei do Executivo com procedimentos administrativos suplementares para as contratações públicas diretas previstas na Lei de Licitações.
Relatório final foi apresentado pelo deputado Ivan Naatz nesta terça-feira (18) - Foto: Fábio Queiroz/Agência AL
Pronunciamentos
A última reunião da CPI teve início às 17h10 desta terça-feira (18) e foi encerrada às 23h20. Ao final, em meio a muitos agradecimentos e elogios, os nove integrantes fizeram um balanço dos três meses de trabalho de investigação. João Amin (PP) afirmou que coube à comissão expor com clareza para a sociedade os fatos relacionados à compra dos respiradores.
“Qualquer erro, excesso que a gente cometeu, a Justiça há de analisar”, afirmou. “Coube à CPI narrar os fatos. A sociedade catarinense acompanhou e quer que os responsáveis sofram as consequências da lei. Cabe agora ao Judiciário fazer a sua análise.”
O vice-presidente da CPI, Valdir Cobalchini (MDB), considerou que o relatório oferecerá os instrumentos necessários para que os culpados sejam punidos. “Foi um trabalho sério, dedicado, durante três meses para chegar a um resultado que a sociedade cobrava e esperava de nós.”
Os deputados Kennedy Nunes e Milton Hobus, ambos do PSD, não pouparam críticas ao governador Carlos Moisés da Silva (PSL) no episódio dos respiradores. “Mais uma vez a gente arranca a mentira da cara do governador Moisés”, disse Kennedy. “Não vou dizer que faltou com a verdade, vou dizer mentiroso. Mentiu para nós, mentiu para a sociedade, mentiu para todos aqueles que acreditaram. E vai ter mais um pedido de impeachment desse cidadão que, além de fazer um mal para a sociedade, está mentindo descaradamente.”
“Todos que tiveram acesso a esse relatório terão a certeza que o que está aqui é fruto da mais pura verdade, todas as conclusões aqui escritas são fundamentadas em documentos”, afirmou Hobus. “Esperamos que as autoridades competentes façam a sua parte e que essa Casa legislativa, com os demais deputados, faça também a sua parte, porque a conclusão do relator para a abertura de mais um pedido de impeachment é justa e verdadeira.”
O deputado Moacir Sopelsa (MDB) declarou que era dever da CPI esclarecer para a sociedade catarinense “uma compra, que não foi dita por nós, mas por pessoas do governo, como uma compra desastrosa”. “Cabe aos poderes constituídos fazer o julgamento. Coube a nós investigar, de buscar as informações, de esclarecer os fatos”, completou Sopelsa.
Felipe Estevão destacou o alcance do trabalho da comissão, que teve grande acompanhamento por parte da sociedade catarinense, em especial nas redes sociais. “Parabenizo a população catarinense que acompanhou, cobrando, acompanhando a postura dos parlamentares. A vida para quem gosta de surrupiar dinheiro público está com os dias contados”, disse.
Fabiano da Luz (PT) ressaltou o papel responsável desempenhado pela comissão na apuração das irregularidades. “Minha preocupação era com relação às injustiças que pudessem ser cometidas, mas no final a conclusão é que foi um relatório bem feito”, disse.
O relator Ivan Naatz destacou que o documento final da CPI foi construído com a participação de todos os membros da comissão. Para ele, o trabalho foi realizado em tempo recorde e servirá de exemplo para todo o Brasil. “Não houve caça às bruxas. Não foi um circo, como alguns escreveram. Não foi um desperdício, como outros disseram. Não terminou em pizza”, declarou.
Para o presidente da CPI, Sargento Lima (PSL), a comissão mandou um recado para todo o país. “Para cada um desses saqueadores, desses aproveitadores, tenham a mais absoluta certeza que não encontrarão solo fértil em Santa Catarina. Aqui são 40 homens e mulheres que se levantarão de pronto para combatê-los”, disse. “Espero que daqui para frente a Justiça faça a sua parte.”
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