A Assembleia Legislativa promoveu uma audiência pública para debater o papel da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) em Santa Catarina e a saúde dos povos indígenas no território catarinense. Convocado pela Comissão de Saúde do Parlamento, o evento realizado na manhã desta terça-feira (26) teve em pauta os desafios enfrentados por mais de 13 mil pessoas originárias das etnias Guarani, Xokleng e Kaingang que vivem em 57 aldeias do Estado.
O presidente do colegiado, deputado Neodi Saretta (PT), justificou a realização da audiência pela necessidade de a Alesc entender as carências das políticas públicas existentes para propiciar a busca de alternativas para melhorar a vida dos indígenas, com a estrutura necessária para, entre vários pontos, o transporte de pacientes para tratamento nos hospitais das áreas urbanas, formação de profissionais de saúde que sejam indígenas e até a construção de unidades básicas de saúde nas aldeias.
O cacique Nísio da Silva, presidente do Conselho Local de Saúde Indígena do polo base Florianópolis, confirmou que falta muita melhoria nas aldeias, principalmente na região metropolitana da capital catarinense. “O saneamento deveria ser melhorado por parte da Sesai. As crianças andam na aldeia, onde tudo é livre, mas em contato com doenças. Sobre a parte de odontologia, a maioria das aldeias não têm postos de saúde. O odontologista atende com o equipamento ligado diretamente nos postes de energia conectado a um carro. É muito preocupante”, reclamou.
Silva citou ainda que é necessário criar estruturas de saúde indígenas dentro dos hospitais existentes. “Com agentes de saúde indígena para traduzir o Guarani para os médicos”, citando o exemplo do Hospital Regional de São José e do Hospital Infantil Joana de Gusmão, onde os indígenas da região constantemente procuram assistência.
Cacique da Aldeia Morro da Palha, na cidade de Biguaçu, Davi Martins também apontou os problemas sobre o atendimento de saúde. “Não temos em Santa Catarina a construção de postos de saúde indígenas. Nossos médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem atendem na rua. Algumas vezes nas escolas, para que eles não fiquem debaixo de chuva. A gente ouve falar que há recursos para a Sesai, mas onde está o recurso? Como está sendo distribuído? O recurso destinado ao povo Guarani onde está? É muito bonito falar em dinheiro, em recurso, mas nas bases nossa população está sofrendo”, argumentou. “Se você não cuida da água, do esgoto, vai prejudicar a saúde, pois as pessoas estarão contaminadas. Saneamento é uma das partes essenciais”, avaliou.
DEMARCAÇÃO DE TERRAS
Para o vice-cacique da aldeia Pirarupá, do município de Palhoça, Cristiano Tupã, o Estado de Santa Catarina “tem uma dívida histórica” com os povos originários. Na opinião dele, o Estado “assassinou” o povo Xokleng e ainda existe a questão das terras que não estão demarcadas. “Sem demarcação, não tem saúde. Somos um povo em extinção, ainda vítimas do colonialismo que impera nas terras de Santa Catarina”, criticou.
Tupã comentou que falta o reconhecimento também por parte dos municípios. “Em Palhoça, são sete aldeias, quase duas mil pessoas, somos sistematicamente inviabilizados no município, que tem um time de futebol e uma escola de samba chamados de Guarani, mas [o poder público] não reconhece os povos”, afirmou. O vice-cacique sugeriu que a Alesc crie um Fórum Permanente dos Povos Indígenas Catarinenses, “para colocar de modo definitivo o povo originário na Casa do Povo”.
Analúcia de Andrade Hartmann, procuradora dos Direitos Indígenas e de Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal em Santa Catarina, lamentou a “total falta de planejamento” por região, por etnia, por fragilidade de cada povo originário em todo o País. “É muito importante ainda, além da questão de saneamento e saúde, trabalhar com alimentação adequada e projetos de autossustentação”, ressaltou.
O superintendente do Ministério da Saúde em Santa Catarina, Rogério Mendes Ribeiro, disse que a superintendência tem o papel de “dar apoio estratégico para resolver questões específicas sobre saúde indígena”. Ele reconheceu também que o contexto é maior, incluindo o impasse da demarcação de terras, “manutenção da cultura e a permanência do povo nas suas terras”.
ABASTECIMENTO DE ÁGUA
Alexandre Rossenttini de Andrade Costa, coordenador geral do Distrito Sanitário Interior Sul da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), explicou que assumiu a função em 2020 e encontrou uma “situação complicada” no distrito. “Todos os assuntos colocados aqui venho tentando trabalhar e resolver. O saneamento é um problema do Brasil e impacta também nas comunidades indígenas. É uma situação que a nova gestão da Sesai, que tem 34 distritos no País, colocou como uma das metas. Falta muita coisa, realmente. Sabemos de todas as dificuldades e estamos trabalhando para resolver. A pandemia atrapalhou bastante, mas agora estou podendo ir em todas as comunidades”, garantiu.
Costa, no entanto, reconheceu que “chama a atenção” o descaso. “Temos a questão tripartite, com governo federal, estadual e municipal. Todos temos responsabilidades perante essas comunidades. São indígenas e munícipes”, assegurou.
Sobre o sistema de abastecimento de água, o coordenador contou que os projetos para as comunidades das cidades de José Boiteux e Araquari estão em andamento. “Imaruí e Balneário Barra do Sul já foram finalizados. Chapecó projeto em elaboração e Palhoça está nos ajustes finais para licitação, enquanto Biguaçu está em instrução no departamento de saneamento”, revelou. Já sobre Unidades Básicas de Saúde, a de José Boiteux, no Alto Vale, também está em fase de elaboração de projeto. “Em Biguaçu já foi entregue e a de Ipuaçú, no Oeste do Estado, está próxima de licitação”, concluiu.
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